Triste dado
"Esse cara não era mais um. Era meu pai"
Pelotas alcança o triste número de 1500 mortes por Covid-19 e já beira as 100 mil infecções
Carlos Queiroz -
Pelotas atingiu, nesta quarta-feira (10), o triste número de 1.500 mortes por Covid-19. A frase que intitula essa matéria é de Mateus Nunes. Ele é filho de Oscar Luis Soares Nunes, que faleceu em 20 de dezembro de 2020, aos 59 anos. A fala do rapaz, que trabalhava na companhia do pai como segurança do Clube Brilhante, dá a tônica de algo que os números brutos acabam escondendo: muito além da estatística, são 1.500 cadeiras vazias em um almoço de família. Sonhos interrompidos. São milhares de familiares enlutados por uma situação que não imaginavam viver. Se hoje o medo e os dados já ganham menos espaço nas páginas de jornais e conversas em grupo, para muitos o lamento ficará presente mesmo que a pandemia finalmente acabe.
Ao falar, Mateus usa a palavra "crueldade" diversas vezes. Pela falta da despedida, após um velório rápido e com caixão lacrado. Pelo vazio de não ter feito companhia durante os 11 dias de internação. Pela dor de ter perdido também a avó, que não suportou a tristeza com morte do filho e partiu 28 dias depois. Pela mágoa com a rispidez de um médico ao informar a família da morte. Pela falta da vacina para o pai por semanas, já que a imunização no país começou pouco mais de um mês após a perda na família. Pelo lamento com a partida precoce alguém querido por tantos.
"Foi um choque, eu não estava esperando", relata. Hoje, o rapaz de 39 anos diz recorrer à espiritualidade através da umbanda, religião que encontrou recentemente, e às sessões de terapia para lidar aos poucos com a perda. Além disso, os ensinamentos deixados, as memórias e o carinho que outros sentiam pelo pai faz com que ele lembre sorridente ao contar as histórias de churrascos, do trabalho e da liderança exercida por ele. Praticamente uma figura pública, que trabalhou por anos como segurança das lojas Oba-Oba, quando se vestia de Papai Noel no Natal, é lembrado com carinho por quem procura o filho para contar histórias. "Quem não lembra do Papai Noel preto do Oba-Oba?", sorri Mateus.
Porém, o sorriso das memórias frequentemente é substituído por um doloroso vazio. Companheiro de trabalho na reta final da vida, ele relata o sentimento duro de voltar ao expediente sem a companhia do pai. "Agora que eu estou assimilando, vai fazer dois anos", relata. No entanto, a presença ainda é sentida. "Até hoje ele está aqui." Dor que, se não é igual, é similar a de outras 1.499 famílias pelotenses e de milhões mundo afora.
A ciência e o momento atual da pandemia
A doutoranda em Epidemiologia pela UFPel e membro do Comitê Covid-19 de Pelotas Bianca Cata Preta diz que o padrão de transmissão da cidade ainda é alto, superior a cem casos a cada cem mil habitantes [o Painel Covid do município apontava taxa de transmissão de 1.13 na quarta]. Embora a sensação seja de melhora em comparação com outros momentos em que houve lockdown e fechamento de comércio, o número de casos novos ainda é alto. "A gente não pode achar que a situação está boa."
Por isso, ela reforça a necessidade das medidas preventivas: uso de máscara em ambiente fechado, priorizar ambientes ventilados, higienização de mãos, evitar aglomeração… "A gente ainda tem uma alta transmissão de vírus", reforça. Mesmo com a variante Ômicron menos severa por causa da vacinação, a médica diz ainda estar hospitalizando pessoas e que a circulação livre do vírus pode gerar outras variantes que escapem dos imunizantes. "E não é que o vírus está mais fraco, nós que estamos mais protegidos", ressalta, lembrando que a vacina previne casos graves e óbitos. E, dessa maneira, reafirma também a necessidade da terceira dose para ampliar a imunidade.
E os próximos passos da vacinação?
A cientista diz ainda não haver consenso. "Para a gente pensar em uma vacinação periódica, existem alguns fatores que contribuem." Pontos como o tempo de imunidade, ainda não muito claro, após a terceira e quarta doses, ainda não estão na equação, já que ainda é muito recente. As variantes circulantes também entram nisso, bem como as próximas vacinas e métodos de aplicação. "As mutações são aleatórias. Não tem como prever quais irão surgir", pondera. Outras formas, como a vacina intranasal, podem vir a prevenir também a transmissão da infecção, algo que os métodos atuais ainda não dão conta.
Transformação em endemia
O fim do status de pandemia para um cenário de endemia também não pode ser projetado com precisão, afirma a epidemiologista. Para isso, é preciso ter como dizer qual o número de casos é aceitável, algo ainda sem um parâmetro para comparação. "Uma endemia é a presença de uma doença, de forma recorrente e sem aumento significativo. Mas em um contexto de Covid, o que é um aumento significativo ou não? É muito recente ainda."
Em Pelotas, por exemplo, o número de 460 pessoas isoladas ainda é considerado alto. "Na última semana a gente teve 467 casos. Isso é muita coisa para uma cidade. Provavelmente vai endemizar, mas não sabemos quando", avalia.
A visão do Poder Público
A secretária de Saúde de Pelotas, Roberta Paganini, diz esperar que a pandemia passe a ser uma endemia, já que uma erradicação do vírus é impossível no cenário atual. No balanço geral, ela diz que os dados da cidade acabam estando até abaixo de padrões de outros locais, mesmo tendo uma população com idade avançada.
Ela destaca também a importância da vacinação, considerando o formato adotado no município um sucesso. "Para a gestão, a gente trabalha mais aliviado", pontua. No entanto, o desafio do pós-Covid, lidando com sequelas, acaba sendo algo a ser avaliado por toda a rede de saúde.
Os dados em Pelotas
Pelotas tem atualmente, além dos 1.500 óbitos confirmados, 99.360 casos positivos, com taxa de letalidade de 1,51% de acordo com os dados do Painel Covid-19. São 28 leitos ocupados, sendo 25 de enfermaria e três de UTI. O status de vacinação mostra que 98,6% receberam a primeira dose, 92,4% a segunda e 74,8% a terceira. A morte mais recente foi de um homem de 53 anos internado no Hospital Beneficência Portuguesa.
O perfil das vítimas
- 695 mulheres
- 805 homens
Totais em 10/08/2022
Positivos
99360
Recuperados
98.0%
97400
Isolados
0.5%
460
Óbitos
1.5%
1500
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